segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Como os cometas nascem

Uma análise detalhada dos dados recolhidos pela Rosetta mostra que os cometas são remanescentes antigos da formação do Sistema Solar e não fragmentos mais jovens resultantes de colisões subsequentes entre outros corpos maiores.

cometa Churyumov-Gerasimenko

© ESA/Rosetta (cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko)

Compreender como e quando objetos como o cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko tomaram forma é de extrema importância na determinação exata de como podem ser usados para interpretar a formação e evolução precoce do nosso Sistema Solar.

Se os cometas são primordiais, então podem ajudar a revelar as propriedades da nebulosa solar a partir da qual o Sol, os planetas e outros corpos pequenos se condensaram há 4,6 bilhões de anos atrás, e os processos que transformaram o nosso sistema planetário na arquitetura que vemos hoje.

A hipótese alternativa é que seriam fragmentos mais jovens resultantes de colisões entre corpos "parentes" mais velhos como por exemplo objetos transnetunianos. Poderiam, então, fornecer mais dados sobre o interior desses corpos maiores, das colisões que os perturbaram e o processo de construção de novos corpos a partir de outros mais velhos.

"De qualquer maneira, os cometas têm sido testemunhas de importantes acontecimentos na evolução do Sistema Solar, e é por isso que fizemos estas medições detalhadas com a Rosetta, juntamente com observações de outros cometas, para descobrir qual o cenário mais provável," afirma Matt Taylor, cientista do projeto Rosetta da ESA.

Durante a sua estadia de dois anos no Cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko, a Rosetta revelou uma imagem do astro como sendo de baixa densidade, alta porosidade, com lóbulos duplos e vastas camadas, sugerindo que os lóbulos acumularam material ao longo do tempo antes de se fundirem.

A invulgarmente alta porosidade do interior do núcleo fornece a primeira indicação de que este crescimento não pode ter sido através de colisões violentas, pois estas teriam compactado o material frágil. As estruturas e características em diferentes escalas de tamanho observadas pelas câmaras da Rosetta providenciam ainda mais informações sobre a forma como este crescimento pode ter ocorrido.

Trabalhos anteriores mostraram que a cabeça e corpo eram objetos originalmente separados, mas a colisão que os fundiu deve ter sido a baixa velocidade a fim de não destruir ambos. O fato de que ambas as partes têm camadas semelhantes também nos diz que devem ter sido submetidas a histórias evolutivas semelhantes e que as taxas de sobrevivência contra colisões catastróficas devem ter sido altas durante um significativo período de tempo.

Os eventos de fusão também devem ter acontecido em escalas menores. Por exemplo, foram identificadas três zonas esféricas na região Bastet, no pequeno lóbulo do cometa, que sugerem que são remanescentes de cometesimais mais pequenos ainda hoje preservados parcialmente.

A escalas ainda menores, de apenas alguns metros, existem as características denominadas "goosebumps" e "torrões", texturas ásperas observadas em várias fossas e paredes expostas de penhascos em vários locais no cometa.

Embora seja possível que esta morfologia possa surgir, por si só, apenas de fraturas, na verdade pensa-se que represente uma "granulosidade" intrínseca dos componentes do cometa. Ou seja, estes "goosebumps" podem mostrar o tamanho típico dos cometesimais mais pequenos que se acumularam e se fundiram para criar o cometa, tornados visíveis novamente hoje através da erosão devido à luz solar.

De acordo com a teoria, as velocidades a que estes cometesimais colidem e se fundem muda durante o processo de crescimento, com um pico quando os nódulos têm tamanhos de alguns metros. Por esta razão, pensa-se que as estruturas com tamanhos de um metro sejam as mais compactas e resistentes, o que é particularmente interessante dado que o material do cometa parece irregular, especificamente, nesta escala de tamanho.

Outras linhas de evidência incluem análises espectrais da composição do cometa, que mostram que a superfície sofreu pouca ou nenhuma alteração "in situ" por água líquida, e análises dos gases expelidos por sublimação de gelos enterrados abaixo da superfície, o que indica que o cometa é rico em supervoláteis como o monóxido de carbono, oxigênio, nitrogênio e argônio.

Estas observações sugerem que os cometas se formaram em condições extremamente frias e que não sofreram um processo térmico significativo durante a maior parte das suas vidas. Ao invés, para explicar as baixas temperaturas, a sobrevivência de certos gelos e a retenção de supervoláteis, devem ter sido acumulados lentamente ao longo de um grande período de tempo.

"Ao passo que outros grandes objetos transnetunianos nos confins do Sistema Solar parecem ter sido aquecidos por substâncias radioativas de curta duração, os cometas não parecem mostrar sinais similares de processamento térmico. Tivemos que resolver este paradoxo, observando detalhadamente a linha de tempo dos nossos modelos atuais do Sistema Solar, e considerar ideias novas," salienta Björn Davidsson do JPL (Jet Propulsion Laboratory), Instituto de Tecnologia da Califórnia em Pasadena (EUA).

Björn e colegas propõem que os membros maiores da população de objetos transnetunianos formaram-se rapidamente no primeiro milhão de anos da nebulosa solar, ajudados por correntes turbulentas de gás que aceleraram rapidamente o seu crescimento para tamanhos de até 400 km.

A aproximadamente três milhões de anos na história do Sistema Solar, o gás tinha desaparecido da nebulosa solar, deixando apenas material sólido para trás. Então, ao longo de um período muito maior de aproximadamente 400 milhões de anos, os já enormes objetos transnetunianos acretaram, lentamente, mais material e foram submetidos a compactação em camadas, por exemplo, os seus gelos derreteram e recongelaram. Alguns objetos transnetunianos até cresceram para objetos do tamanho de Plutão ou Tritão, o maior satélite natural de Netuno.

Os cometas tomaram um caminho diferente. Após a fase inicial de crescimento rápido dos objetos transnetunianos, os remanescentes grãos e diminutas pedras de material gelado nas partes frias e exteriores da nebulosa solar começaram a unir-se a velocidades baixas, produzindo cometas com mais ou menos 5 km de tamanho até ao ponto em que o gás desaparece da nebulosa solar. As velocidades baixas a que o material foi acumulado levaram a objetos com núcleos frágeis, altamente porosos e de densidade baixa.

Este crescimento lento também permitiu com que os cometas preservassem algum do material mais antigo, rico em voláteis, da nebulosa solar, uma vez que foram capazes de libertar a energia gerada pelo decaimento radioativo no seu interior sem aquecer demais.

Os objetos transnetunianos desempenharam mais outro papel na evolução dos cometas. Ao agitarem as órbitas cometárias, o material adicional foi acretado a velocidades um pouco maiores ao longo dos 25 milhões anos seguintes, formando as camadas exteriores dos cometas. A agitação também tornou possível a ligeira colisão entre objetos com vários quilômetros de tamanho, levando à natureza duplamente lobular de alguns cometas observados.

"Os cometas não parecem mostrar as características esperadas para pilhas de escombros resultantes de colisões, que resultam da quebra de objetos maiores como objetos transnetunianos. Em vez disso, pensamos que cresceram suavemente à sombra dos objetos transnetunianos, sobrevivendo essencialmente intactos durante 4,6 bilhões de anos," conclui Björn.

"O nosso novo modelo explica o que vemos nas observações detalhadas do cometa da Rosetta, e o que já havia sido sugerido por missões cometárias anteriores."

"Os cometas são realmente os tesouros do Sistema Solar," acrescenta Matt Taylor.

"Eles dão-nos uma visão sem precedentes sobre os processos que foram importantes na construção planetária durante estes primeiros tempos e como estão relacionados com a arquitetura do Sistema Solar que vemos hoje."

O novo estudo que aborda esta questão foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: ESA

Últimos instantes de um cometa

Os últimos momentos da vida de um cometa foi captado numa sequência de imagens obtidas observatório espacial SOHO (Solar and Heliospheric Observatory).

instantes finais de um cometa

© ESA/NASA/SOHO (instantes finais de um cometa)

Na animação o círculo branco representa os limites do disco solar. Nota-se um pequeno cometa atravessando a coroa solar a uma velocidade vertiginosa de quase 2,1 milhões de quilômetros por hora!

O cometa foi descoberto na semana passada em imagens obtidas em 04 de agosto de 2016 pelo coronógrafo LASCO C2 do observatório espacial SOHO, este cometa é um membro da família Kreutz, um grupo de cometas com órbitas semelhantes resultante da fragmentação de um único progenitor, há aproximadamente 2.500 anos.

Aparentemente, este fragmento não sobreviveu à viagem. Tal como muitos outros cometas rasantes, esta pequena bola de gelo e poeira foi provavelmente esmagada e vaporizada pelo ambiente infernal que rodeia a nossa estrela.

Fonte: NASA & ESA