A sonda Rosetta da ESA fez a primeira medida de nitrogênio molecular num cometa, fornecendo pistas sobre a temperatura ambiental na qual o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko se formou.
© ESA/Rosetta (cometa Churyumov-Gerasimenko)
Esta imagem efetuada pela Rosetta foi tirada a uma distância de 85,7 km do centro do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko em 14 de março de 2015. A imagem tem uma resolução de 7,3 m/pixel e mede 6,4 x 6,3 km.
A Rosetta chegou neste cometa em Agosto de 2014, e desde então tem coletado extensos dados no cometa e no seu ambiente com seu conjunto de 11 instrumentos científicos.
A medição da taxa de deutério por hidrogênio (D/H) medida no vapor de água ao redor do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. As medições foram realizadas pelo espectrômetro de massa Rosetta Orbiter Spectrometer for Ion and Neutral Analysis (ROSINA) entre 8 de agosto e 5 de setembro de 2014.
O deutério é um isótopo do hidrogênio com um acréscimo de um nêutron. A proporção de deutério e hidrogênio em água é um diagnóstico chave para determinar em que lugar do Sistema Solar um objeto se originou e a contribuição de asteroides e/ou cometas para os oceanos da Terra.
© ESA/ATG medialab (deutério por hidrogênio no Sistema Solar)
O gráfico acima mostra as diferentes valores de D/H em água observada em vários corpos no Sistema Solar. Os pontos de dados são agrupados por cores como planetas e luas (azul), meteoritos condritos do cinturão de asteroides (cinza), cometas provenientes da nuvem de Oort (roxo) e cometas da família Júpiter (rosa). Os cometas da família Júpiter de Rosetta são destacados em amarelo. Os diamantes representam os dados obtidos no local e os círculos representam os dados obtidos por métodos astronômicos. A parte inferior do gráfico mostra o valor de D/H medida em hidrogênio molecular na atmosfera dos planetas gigantes do Sistema Solar (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno) e uma estimativa do valor típico em hidrogênio molecular para a nebulosa protosolar, a partir do qual todos os objetos no nosso Sistema Solar se formou.
A razão para os oceanos da Terra é de 1,56 × 10–4 (como mostra a linha horizontal azul na parte superior do gráfico). O valor para o Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko é de 5,3 x 10–4, mais de três vezes maior do que para os oceanos da Terra. Estes dados fornecem aspectos sobre a origem dos oceanos da Terra e se asteroides ou cometas contribuiram para o fornecimento de água.
A detecção de nitrogênio molecular tem sido pensada por muito tempo num cometa. O nitrogênio somente havia sido detectado em outros compostos, incluindo a amônia, por exemplo.
Sua detecção é particularmente importante já que o nitrogênio molecular é o tipo mais comum do nitrogênio disponível quando o Sistema Solar estava se formando. Nas regiões externas mais frias, ele provavelmente forneceu a principal fonte de nitrogênio que foi incorporada no gás dos planetas. Ele também dominou a densa atmosfera da lua de Saturno, Titã, e está presente nas atmosferas e nas superfícies congeladas de Plutão e da lua Tritão, de Netuno.
É nessa região externa e fria do nosso Sistema Solar que a família de cometas de onde o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko faz parte, acredita-se tenha se formado.
Os novos resultados são baseados em 138 medidas coletadas pelo instrumento Rosetta Orbiter Spectrometer for Ion and Neutral Analysis (ROSINA) durante os dias 17 a 23 de Outubro de 2014, quando a Rosetta estava a cerca de 10 km do centro do cometa.
“Identificando o nitrogênio molecular coloca importantes restrições nas condições onde o cometa se formou, pois ele necessita de temperaturas muito baixas para que ele possa ficar aprisionado no gelo”, disse Martin Rubin da Universidade de Bern, principal autor do artigo que apresenta os resultados.
O aprisionamento do nitrogênio molecular no gelo na nebulosa protosolar aconteceu em temperaturas similares àquelas necessárias para aprisionar o monóxido de carbono. Assim para colocar essas restrições no modelo de formação de cometas, os cientistas comparam a razão de nitrogênio molecular com o monóxido de carbono medido no cometa com aquela existente na nebulosa prosolar, com a razão de nitrogênio medido com carbono em Júpiter e no vento solar.
Essa razão para o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko é cerca de 25 vezes menor do que os valores protosolares esperados. Os cientistas acreditam que essa depleção pode ser uma consequência do gelo formado em temperaturas muito baixas na nebulosa protosolar.
Um cenário envolve temperaturas entre -250 e -220 graus Celsius, com um aprisionamento relativamente ineficiente de nitrogênio molecular no gelo de água amorfo ou no clatrato em ambos os casos levando diretamente a uma baixa razão.
De maneira alternativa, o nitrogênio molecular poderia ter sido aprisionado de forma mais eficiente em temperatura ainda mais baixa de cerca de -253 graus Celsius na mesma região de Plutão e Tritão, resultando em gelos relativamente enriquecidos de nitrogênio como vistos neles.
O aquecimento subsequente do cometa através do decaimento de nuclídeos radioativos, ou enquanto o cometa se move para mais próximo do Sol, poderia ter sido suficiente para disparar a expulsão de nitrogênio e assim levar a uma redução da razão com o passar do tempo.
“Esse processo em temperaturas muito baixas é similar àquele que deve ter acontecido em Plutão e Tritão para desenvolverem seu gelo rico em nitrogênio e é consistente com o cometa originado do Cinturão de Kuiper”, disse Martin.
O único corpo do Sistema Solar com uma atmosfera rica em nitrogênio é a Terra. A melhor hipótese até hoje sobre sua origem é via placa tectônicas, com vulcões lançando nitrogênio preso nas rochas de silicatos no manto.
Contudo a questão permanece sobre o papel dos cometas na entrega desse importante ingrediente.
“Do mesmo modo que nós queremos aprender sobre o papel dos cometas em trazer a água para a Terra, nós também queremos estabelecer as restrições na entrega de outros ingredientes, especialmente aqueles necessários para gerar os blocos fundamentais da vida, como o nitrogênio”, disse Kathrin Altwegg também da Universidaade de Berna e o principal pesquisador do instrumento ROSINA.
Para avaliar a possível contribuição dos cometas como o da Rosetta para o nitrogênio na atmosfera da Terra, os cientistas assumem que a razão isotópica do 14N para 15N no cometa é a mesma que aquela medida para Júpiter e para o vento solar, que reflete a composição da nebulosa protosolar.
Contudo, essa razão isotópica é muito maior do que aquela medida para outras espécies que possuem nitrogênio presentes nos cometas, como a amônia.
A razão 14N/15N na Terra localiza-se aproximadamente entre esses dois valores, e se existia uma mistura igual da forma molecular por um lado e da amônia e outros compostos por outro lado, nos cometas, seria no mínimo concebível que o nitrogênio da Terra poderia ter vindo dos cometas.
“Contudo, a quantidade de nitrogênio, encontrada no 67P/Churyumov-Gerasimenko não tem uma mistura igual entre o nitrogênio molecular e o nitrogênio em outras moléculas. Além disso, existe 15 vezes menos nitrogênio molecular, e assim a razão 14N/15N da Terra não pode ser reproduzida através da entrega dos cometas da família Júpiter, como o cometa da Rosetta”, disse Martin.
“Esse é outro pedaço do quebra-cabeça em termos do papel dos cometas da família Júpiter na evolução do Sistema Solar, mas o quebra-cabeça nem está perto de ser acabado ainda”, disse o cientista de projeto da Rosetta da ESA, Matt Taylor.
“A Rosetta está a cerca de cinco meses do periélio, e está vendo como a composição dos gases muda no decorrer de tempo, e está tentando decifrar o que ela pode nos dizer sobre a vida passada desse cometa”.
Os resultados desta pesquisa foram publicados na revista Science.
Fonte: ESA