Na aproximação ao periélio das últimas semanas, a sonda Rosetta tem vindo a assistir a um aumento de atividade do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, durante a qual um evento dramático e explosivo provou ser tão poderoso que até afastou o próprio vento solar.
© ESA/Rosetta/MPS (outburst de curta duração no cometa)
A imagem acima mostra uma explosão de curta duração no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, captada pela câmara OSIRIS da Rosetta no dia 29 de julho de 2015. A imagem à esquerda foi obtida às 13:06 GMT e não mostra sinais visíveis do jato. É muito forte na imagem do meio obtida às 13:24 GMT. Os traços residuais da atividade são muitos muito fracos na imagem final obtida às 13:42.
O cometa alcança o periélio na quinta-feira, o momento da sua órbita de 6,5 anos em que está mais próximo do Sol. Nos últimos meses, o aumento da energia solar tem aquecido os gelos do cometa, transformando-os em gás que é libertado para o espaço, arrastando com ele poeira.
O período ao redor do periélio é cientificamente muito importante, pois a intensidade da luz solar aumenta e partes do cometa, anteriormente à sombra, até durante anos, são inundadas com a luz do Sol.
Apesar da atividade geral do cometa atingir o pico nas semanas que se seguem ao periélio, tal como os dias mais quentes do verão geralmente vêm depois dos dias mais longos, podem ocorrer explosões súbitas e imprevisíveis a qualquer momento, como já foi visto no início da missão.
No dia 29 de julho, a Rosetta observou a explosão mais dramática até à data, registada por vários dos seus instrumentos a cerca de 186 km do cometa. Fotografaram a explosão no núcleo, testemunharam uma mudança na estrutura e composição do ambiente da cabeleira gasosa que rodeia a Rosetta e detectaram um aumento nos níveis de impactos de poeira.
Talvez ainda mais surpreendente, a Rosetta descobriu que a explosão tinha afastado o campo magnético do vento solar em torno do núcleo.
Uma sequência de imagens obtidas pela câmara científica OSIRIS da Rosetta mostra o aparecimento súbito de uma característica bem definida e em forma de jato que emerge do lado do pescoço do cometa, na região de Anuket. A equipe da câmara estima que o material no jato podia estar viajando, pelo menos, a 10 m/s, talvez bastante mais rápido.
"Este é o jato mais brilhante que vimos até agora," comenta Carsten Güttler, membro da equipe OSIRIS no Max Planck Institute for Solar System Research em Göttingen, Alemanha.
"Geralmente, os jatos são muito tênues em comparação com o núcleo e precisamos de esticar o contraste das imagens para torná-los visíveis, mas este é mais brilhante que o núcleo."
Pouco depois, o sensor de pressão do instrumento ROSINA detectou indícios claros de mudanças na estrutura da cabeleira, enquanto o seu espectrômetro de massa registou alterações na composição dos gases emanados.
Por exemplo, em comparação com medições feitas dois dias antes, a quantidade de dióxido de carbono aumentou por um fator de dois, metano por quatro, sulfureto de hidrogênio por sete, enquanto a quantidade de água permaneceu quase constante.
"Esta primeira 'olhada rápida' às nossas medições depois da explosão é fascinante," afirma Kathrin Altwegg, pesquisadora principal do ROSINA na Universidade de Berna. "Vemos também pistas de material orgânico depois da explosão, que pode estar relacionado com a poeira ejetada."
"Mas, embora seja tentador pensar que estamos detectando material que pode ter sido libertado do interior do cometa, é muito cedo para dizer com certeza que este é o caso."
Cerca de 14 horas depois da explosão, o GIADA detectava impactos de partículas de poeira a taxas de 30 por dia, em comparação com apenas 1 a 3 por dia no início de julho. Foi registado um pico de 70 durante um período de 4 horas no dia 1 de agosto, indicando que a explosão continuava tendo um efeito significativo sobre o ambiente de poeira nos dias seguintes.
"Não foi apenas a abundância das partículas, mas também as suas velocidades medidas pelo GIADA, que nos disseram que algo 'diferente' estava acontecendo: a velocidade média das partículas aumentou de 8 m/s até cerca de 20 m/s, com picos de 30 m/s; uma bela festa de poeira!", comenta Alessandra Rotundi, pesquisadora principal da Universidade de Nápoles "Parthenope", na Itália.
Talvez o resultado mais surpreendente é que a explosão foi tão intensa que até conseguiu empurrar o vento solar para longe do núcleo durante alguns minutos, uma observação única efetuada pelo magnetômetro do conjunto de instrumentos RPC da Rosetta.
O vento solar é o fluxo constante de partículas eletricamente carregadas oriundas do Sol, transportando o seu campo magnético para o Sistema Solar. As medições anteriores feitas pela Rosetta e pelo Philae já tinham mostrado que o cometa não era magnetizado, por isso a única fonte para o campo magnético medido em seu redor é o vento solar.
Mas o vento solar não passa desimpedido. Dado que o cometa expele gás, o vento solar fica como que "paralisado" quando encontra esse gás e é atingido um equilíbrio de pressão.
"O campo magnético do vento solar começa a amontoar-se como um engarrafamento e eventualmente deixa de se mover na direção do núcleo do cometa, criando uma região livre de campos magnéticos no lado virado para o Sol do cometa, a que chamamos 'cavidade diamagnética'," explica Charlott Götz, da equipe do magnetômetro no Institute for Geophysics and extraterrestrial Physics em Braunschweig, Alemanha.
© ESA/Rosetta/RPC/IGEP/IC (cavidade diamagnética)
As cavidades diamagnéticas fornecem informações fundamentais sobre a forma como um cometa interage com o vento solar, mas a única detecção prévia de tal cavidade associada com um cometa tinha sido feita a cerca de 4.000 km do cometa Halley quando a sonda Giotto da ESA por lá passou em 1986.
O cometa da Rosetta é muito menos ativo que o Halley, por isso os cientistas esperavam encontrar uma cavidade muito menor, talvez no máximo com algumas de dezenas de quilômetros. Antes de 29 de julho, não tinham observado quaisquer sinais de uma cavidade diamagnética.
Mas, após a explosão desse dia, o magnetômetro detectou uma cavidade diamagnética que se prolongava, pelo menos, até 186 km do núcleo. Foi provavelmente criada pela libertação do gás, que aumentou o fluxo de gás neutro na cabeleira do cometa, forçando o vento solar a "parar" mais longe do cometa e assim empurrando a fronteira da cavidade para fora, para lá de onde a Rosetta viajava no momento.
"A Rosetta foi movida até distâncias de 300 km nas últimas semanas, a fim de evitar problemas com a navegação, problemas estes que podem ser provocados por poeira, e tínhamos considerado que a cavidade diamagnética estava, por enquanto, fora do nosso alcance. Mas parece que o cometa deu-nos uma mãozinha, trazendo a cavidade até à Rosetta," afirma Matt Taylor, cientista do projeto Rosetta.
"Este é um evento fantástico que vai levar tempo para ser analisado, mas realça os excitantes momentos que estamos testemunhando no cometa durante esta 'quente' fase do periélio."
Fonte: ESA