Medições feitas pela Rosetta e pelo Philae, durante as várias aterragens do módulo no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, mostram que o núcleo do cometa não é magnetizado.
© ESA (dados do campo magnético)
A imagem acima mostra um gráfico do campo magnético em função da altura acima da superfície, através de dados do campo magnético recolhidos pelo instrumento ROMAP do Philae imediatamente antes (topo) e depois (em baixo) da colisão com um penhasco às 16:20 GMT do dia 12 de novembro de 2014 (hora da sonda), entre o primeiro e o segundo pouso. Assim sendo, o tempo decorre da esquerda para a direita para a subida (em baixo), mas da direita para a esquerda para a descida (topo). As medições (cruzes) são comparadas com um modelo hipotético (linha sólida) assumindo uma superfície ligeiramente magnetizada. Também incluida a influência do campo magnético interplanetário do vento solar perto do núcleo do cometa. A distância superiores a 10 metros, o campo é muito fraco, deixando apenas o campo externo. Mas mais perto da superfície, o próprio campo magnético do cometa deveria aumentar e dominar. Não é isto que vemos, sugerindo que a escalas superiores a um metro (a resolução do instrumento), o cometa não é magnetizado.
O estudo das propriedades de um cometa pode fornecer pistas sobre a função desempenhada pelos campos magnéticos na formação dos corpos do Sistema Solar há quase 4,6 bilhões de anos atrás. O Sistema Solar jovem não era mais do que um disco rodopiante de gás e poeira mas, no espaço de apenas alguns milhões de anos, o Sol nasceu no seu centro e o material restante formou os asteroides, cometas, luas e planetas.
A poeira continha uma fração significativa de ferro, parte sob a forma de magnetita. Os grãos milimétricos de materiais magnéticos já foram encontrados em meteoritos, indicando a sua presença no início do Sistema Solar.
Isto leva os cientistas a pensar que os campos magnéticos, espalhados pelo disco protoplanetário, podem ter desempenhado um papel importante na movimentação dos materiais à medida que se juntavam para formar corpos maiores.
Mas ainda não sabemos com clareza a importância dos campos magnéticos cruciais neste processo de acreção, à medida que os blocos de construção cresciam até vários centímetros, metros e dezenas de metros, antes de a gravidade começar a dominar quando atingiram escalas de centenas de metros ou quilômetros.
Algumas teorias sobre a agregação de partículas magnéticas e não-magnéticas de poeira mostram que os objetos maiores daí resultantes podem também permanecer magnetizados, permitindo com que sejam influenciados pelos campos magnéticos do disco protoplanetário.
Mas, tendo em conta que os cometas contêm alguns dos materiais mais pristinos do Sistema Solar, são equivalentes a um laboratório natural que permite investigar se estes corpos maiores podem ter permanecido magnetizados.
No entanto, a deteção do campo magnético dos cometas tem provado ser difícil em missões anteriores, pois normalmente são apenas passagens rasantes e relativamente distantes dos núcleos cometários.
Graças à proximidade da sonda Rosetta da ESA ao cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, e às medições ainda mais íntimas e à superfície do módulo Philae, temos agora a primeira investigação detalhada das propriedades magnéticas do núcleo de um cometa.
O instrumento de medição do campo magnético do Philae tem o nome ROMAP (Rosetta Lander Magnetometer and Plasma Monitor) e a Rosetta transporta um magnetômetro como parte do conjunto de sensores RPC (Rosetta Plasma Consortium), chamado RPC-MAG.
As mudanças no campo magnético que rodeia a Rosetta permitiram com que o RPC-MAG detectasse o momento em que o Philae libertou-se da sonda na manhã de 12 de novembro de 2014.
Ao sentir variações periódicas no campo magnético externo medido e movimentos no seu braço de lançamento, o ROMAP foi capaz de detectar os eventos de pouso e determinar a orientação do Philae durante as horas seguintes. Combinadas com informações da experiência CONSERT, que forneceu uma estimativa da posição do pouso final, com informações dos tempos, com imagens da câmara OSIRIS da Rosetta, com suposições sobre a gravidade do cometa e com medições da sua forma, os cientistas conseguiram determinar a trajetória do Philae.
As equipes da missão descobriram logo que o Philae não só pousou uma vez em Agilkia, mas que entrou em contato com a superfície do cometa quatro vezes, incluindo um raspão à superfície que o enviou em direção ao local de pouso final em Abydos. Esta trajetória complexa acabou por ser cientificamente benéfica à equipa do ROMAP.
"O voo não planejado pela superfície, na verdade, significa que pudemos recolher medições precisas do campo magnético com o Philae nos quatro pontos de contato e a uma variedade de alturas acima da superfície," afirma Hans-Ulrich Auster, pesquisador do ROMAP e autor principal dos resultados apresentados na Assembleia Geral da União Europeia de Geociências em Viena, Áustria.
As múltiplas descidas e subidas significam que foi possível comparar medições feitas nas viagens em direção ao cometa, na direção oposta de cada ponto de contato e à medida que voava acima da superfície.
O ROMAP mediu um campo magnético durante estas sequências, mas descobriu que a sua força não depende da altura ou posição do Philae acima da superfície. Isto não é consistente com a suposição de ser o próprio núcleo do cometa o responsável por esse campo.
"Se a superfície fosse magnetizada, teríamos visto um claro aumento nas leituras do campo magnético à medida que nos aproximávamos cada vez mais da superfície," explica Hans-Ulrich. "Mas tal não foi o caso em qualquer um dos locais visitados, por isso concluímos que o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko é um objeto incrivelmente não-magnético."
Ao invés, o campo magnético medido é consistente com um campo magnético externo, nomeadamente a influência do campo magnético interplanetário do vento solar perto do núcleo do cometa. Esta conclusão foi confirmada pelo fato de que as variações no campo, medidas pelo Philae, coincidem intimamente com aquelas observadas ao mesmo tempo pela Rosetta.
"Durante a aterragem do Philae, a Rosetta estava a cerca de 17 km da superfície, e conseguimos obter leituras complementares do campo magnético que excluem quaisquer anomalias magnéticas locais nos materiais de superfície do cometa," explica Karl-Heinz Glassmeier, pesquisador principal do RPC-MAG a bordo da sonda.
No geral, os dados mostram que o cometa tem um campo magnético de menos de 2 nT (nanotesla) à superfície cometária e em vários locais, com um momento magnético específico de < 3,1 x 10-5 Am2/kg, valores inferiores aos conhecidos para o material lunar e meteoritos medidos na Terra. O momento de dipolo máximo do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko é de 1,6 x 108 Am2. Conclui-se que na escala do medidor, o alinhamento magnético na nebulosa protoplanetária é de menor importância.
Se grandes pedaços de material à superfície do 67P/Churyumov-Gerasimenko fossem magnetizados, o ROMAP teria registado variações adicionais no sinal à medida que o Philae voava sobre eles.
"Se qualquer material é magnetizado, deve ser a escalas inferiores a um metro, abaixo da resolução espacial das nossas medições. E se o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko é representativo de todos os núcleos cometários, então isso sugere que as forças magnéticas não são suscetíveis de ter desempenhado um papel na acumulação dos blocos de construção planetária maiores que um metro em tamanho," conclui Hans-Ulrich.
"É ótimo ver a natureza complementar das medições da Rosetta e do Philae, trabalhando em conjunto para responder a esta questão simples mas importante de saber se o cometa é magnetizado," conclui Matt Taylor, cientista do projeto Rosetta da ESA.
Os resultados foram publicados num artigo científico na revista Science.
Fonte: ESA